Rio Vermelho

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Iemanjá: a “mulher com rabo de peixe”

3.5.15Festa de IemanjáHistória do Rio Vermelho

Iemanjá: a “mulher com rabo de peixe”

Por Nelson Cadena
Blog Memórias da Bahia

Um incidente entre os pescadores e o pároco da Igreja de Sant’Anna, ocorrido em 1930, teria provocado a definitiva distensão entre os primitivos protagonistas e organizadores da festa e os interesses da igreja. Desentendimentos que vinham desde 1906, quando a autoridade eclesiástica proibiu a realização da Romaria dos Jangadeiros, conforme noticiou a Gazeta do Povo em 12 de fevereiro do ano referido. Não se sabe o motivo. E se acentuou em 1919, quando o organizador da colônia, o comandante Pina, determinou que não mais se deveria pagar o dízimo à igreja pelo uso do terreno da Casa do Peso, que ficava ao lado da capela, onde os pescadores guardavam seus aviamentos e comercializavam o produto.

O impasse agravou-se com a notícia de que os pescadores estariam realizando oferendas à Mãe-d’água. E de fato isso já ocorria desde 1923 ou 1924, há divergências quanto à data. Então, o vigário, em inconveniente sermão, disse com todas as letras que era muita ignorância oferecer presente a uma mulher com rabo de peixe. Os pescadores sentiram-se ofendidos, deixaram de solicitar a tradicional missa celebrada no dia da romaria, que nem sempre ocorria em 2 de fevereiro, e assumiram explicitamente o culto à Iemanjá.

Não foi um processo imediato. Por pelo menos quatro décadas o presente à Rainha das Águas permaneceu vinculado aos festejos oficiais de Nossa Senhora de Sant’Anna, era um dos eventos do calendário festivo que se estendia por mais de uma semana. De início, o presente ocorria, sem a presença ostensiva do público que olhava de longe e não descia para a praia. Em finais da década de 40 o povo já era protagonista e esse ritual do presente foi ganhando popularidade, enquanto a Festa de Sant’Anna perdia prestígio e apenas mantinha o seu glamour com o desfile dos carros alegóricos e a eleição da Rainha da festa.

Em inícios da década de 80 o pároco da igreja, com o aval do Arcebispo, transferiu a Festa de Sant’Anna para celebração em 26 de julho. Então a Festa de Iemanjá rompeu em definitivo o seu cordão umbilical com a igreja católica e “aparentemente” com qualquer sincretismo e passou a ser festa exclusiva dos pescadores e do povo de Santo da Bahia, realizada não mais durante uma ou duas semanas, como nas suas origens, mas num dia só: 2 de fevereiro. Disse “aparentemente” por que 2 de fevereiro nada mais é do que a data mais importante do calendário católico mariano em todo o mundo ocidental. Nesse dia comemora-se a Purificação de Nossa Senhora.

A foto que ilustra este post é do acervo da Tribuna da Bahia. Mostra um artista plástico finalizando o presente especial.

História da Festa de Iemanjá

29.1.19Festa de IemanjáHistória do Rio VermelhoA festa em homenagem à Iemanjá teve início em 1924, quando um grupo de 25 pescadores resolveu oferecer presentes à mãe das águas. Nesta época, os peixes estavam escassos no mar. Desde então, todos os anos os pescadores pedem a Iemanjá que lhes dê fartura de peixes e um mar tranquilo.

Conta a tradição dos povos iorubás que Iemanjá era a filha de Olokum, deus do mar. Ele a teria dado uma garrafa e recomendado que só abrisse em caso de necessidade. Um dia, em fuga de Okerê, o marido que a ofendeu, ela tropeçou na garrafa, que se quebrou, fazendo surgir um rio de águas tumultuadas que levou Iemanjá ao oceano. Desde então, a rainha das águas não voltou mais para a terra.

A deusa Iemanjá recebe diferentes nomes, dentre eles: Dandalunda, Inaé, Ísis, Janaína, Marabô, Maria, Mucunã, Princesa de Aiocá, Princesa do Mar, Rainha do Mar, Sereia do Mar, etc.

Uma série de superstições rondam a celebração. Por exemplo, se o presente for encontrado na beira da praia é porque a divindade não gostou da oferta. Todos os anos, é preparado um presente principal pelos pescadores, que só é revelado no dia das homenagens.

História da Festa de Iemanjá
Presente de Yemanjá: Uma festa dos pescadores do Rio Vermelho
17.10.09  História do Rio Vermelho
Por volta de 1924 um grupo de pescadores do Rio Vermelho resolveu oferecer um presente à “Mãe d´ água”, queriam eles que a divindade que comanda as águas salgadas ajudasse a melhorar a pescaria que andava fraca, queriam também dar uma resposta aos veranistas que tinham se apropriado do comando da festa de Santana que eles anteriormente organizavam. Jamais aquele pequeno grupo de homens rudes podia imaginar que estavam iniciando aquela que viria a ser uma das maiores festas em louvor à “Rainha do Mar” em todo o mundo. Os veranistas sumiram, a festa de Santana – que acontecia um domingo antes do Carnaval – acabou, mas a festa de Yemanjá cresce a cada ano. Só que esse crescimento trouxe tambem a cobiça de muita gente que passou a ver nela uma maneira de ganhar dinheiro fácil. Os aproveitadores de plantão apareceram e aparecem a cada ano. No ano passado, por exemplo, foi criada uma “associação” que se preparava para tomar a festa da mão deles (os pescadores) e só não alcançou o objetivo porque foi denunciada e desmascarada antes do golpe final, mas essa “associação” não está extinta, ela pode reaparecer a qualquer momento. Os pescadores devem ficar atentos aos falsos cantos das sereias.

Yemanjá não é uma sereia
13.3.10  ArtigosFesta de IemanjáHistória do Rio Vermelho
Por Biaggio Talento

Muita gente cultua Yemanjá na tradicional festa do 2 de Fevereiro, no bairro do Rio Vermelho, pensando tratar-se de uma entidade exclusivamente africana. O antropólogo Edison Carneiro, num texto de 1950, incluído no livro Ladinos e Crioulos, mostra que isso não é verdade. Sua análise, esclarecedora, indica que desde o final do século XIX, o que se cultua na Bahia é uma entidade brasileira, sincrética, que reúne elementos, sim da cultura africana, mas também ameríndia e européia. A confusão mais flagrante é a incorporação da sereia, elemento sobrenatural da Europa com a orixá nagô de Yemanjá. São duas entidades completamente contraditórias que convivem numa mesma figura. Ele lembra que sereia “é a mulher fatal, que com o seu amor traz a morte”. Vide as agruras que Ulisses e seus marujos passaram ao retornar de Tróia, quando o barco dos argonautas passou perto da ilha das sereias, cujo canto levava os homens a se jogarem no mar em busca da própria destruição. Ao contrario das feiticeiras marítimas, Yemanjá é a representação da fecundidade, a reprodução da espécie e nem aparece na água salgada. Nada melhor, então, que conferir o texto de Edison Carneiro que reproduzimos a seguir:

YEMANJÁ E A MÃE-D’ÁGUA

Escritores, pintores, músicos e elementos populares em geral tem contribuído poderosamente, por um lado, para dar o nome Yemanjá à mãe-d’água brasileira e, por outro lado, para tornar as festas em seu louvor uma simples reprodução das festas da sereia européia. Bem entendido, Yemanjá é uma deusa nagô e de modo algum uma concepção de todas as tribos negras chegadas ao Brasil. Sabemos que ao povo nagô se pode atribuir grande parte da nossa mística popular, nos mais variados graus de fidelidade com o original. Parece extraordinário porém, que as diferenças fundamentais que facilmente podemos encontrar entre Yemanjá e a sereia fossem postas de lado tão sumariamente, até cair no dualismo apontado – nome africano, festas européias. Como já o indicou Joaquim Ribeiro, há nesse caso, “uma interseção de vários cultos” das águas, como o da Iara dos índios. Não devemos esquecer que os nagôs não rendem culto público, fora de portas, a Yemanjá e, certamente, não deixaram essa tradição. Pelo contrário, nos candomblés baianos, que são como tentei provar, resultado das concepções religiosas dos nagôs, até mesmo o “assento” de Yemanjá se encontra, obrigatoriamente, no interior da casa. Parece que, como em tantos outros casos, a mítica nagô, passando a outros grupos de cultura, brancos e negros, se deturpou consideravelmente, de maneira a ficar apenas o nome Yemanjá cobrindo concepções, festas e costumes que são caracteristicamente estranhos à África – e em especial ao povo nagô.

Talvez seja antiga essa confusão.


Nina Rodrigues, em 1897, notava que “em geral a concepção de Yemanjá confunde-se com o mito da sereia de que se torna uma simples variante” e mais tarde, em Os africanos no Brasil, afirmava que “o mito de Yemanjá se confunde com o da mãe-d’água e o da sereia sob cuja forma e efígie a representam”. Isto acontece hoje em todos os candomblés, em que a figura de Yemanjá muitas vezes é a dá mulher branca, a pentear seus longos cabelos, mas já acontecia também em 1899, por sinal que no famoso candomblé do Gantois da Bahia, onde Nina Rodrigues pôde encontrar “duas sereias de gesso barato, mandadas vir do Rio de Janeiro”, representando Yemanjá e outra divindade das águas, Oxún (sic). Por sua vez, Manuel Querino lembra a festa que, na terceira dominga de dezembro, a gente dos candomblés realizava diante do forte de São Bartolomeu, na cidade do Salvador, sob a direção do Tio Ataré, enchendo-se uma grande talha de barro, que se atirava ao mar, com “pentes, frascos de pomada, frascos de cheiro, côvados de fazenda” presenteados por centenas de africanos.

Isso não impede que em outros candomblés, mais respeitadores da tradição nagô, como as do Engenho Velho da Federação e Flaviana, Yemanjá se represente corretamente por pedras (itás) ou por esculturas de pessoas possuídas pela orixá (êxés).

Parece que a notícia mais antiga de presente de Yemanjá é a que nos deixou Manuel Querino: “Um pequeno saveiro de papelão, armado de velas e outros utensílios de náutica, era lançado ao mar, conduzindo como dádiva à mãe-d’água figuras de bonecas de pano, milho cozido, inhame com azeite-de-dendê, uma caneta e pena, e pequenos frascos de perfumaria”. Todos os que já acompanharam um presente para a mãe-d’água notarão a diferença este tipo de oferenda e o modelo atual.

Yemanjá, no país dos nagôs, é a deusa do rio Ogún e, por extensão, dos rios, fontes e lagos nacionais. O seu domínio não chega até o mar, onde manda Ôlôkún. Nina Rodrigues recolheu na Bahia uma peça esculpida, um cofre de Yemanjá, que representa uma cena de pesca do crocodilo, que é animal de rio, e o coronel Ellis, na lenda do nascimento dos orixás, conta que, após o incesto, dos seios desmesuradamente intrumescidos de Yemanjá brotaram dois rios que adiante se reuniram e formaram uma lagoa. Entre os lugares especiais em que, na Bahia, se cultua Yemanjá, estão três lagoas – o Dique e as Lagoas de Vovó e do Abaeté.

Ruth Landes escreveu que Yemanjá é “uma nova edição da mammy americana”. Com efeito, entre os nagôs, a deusa é sempre esposa e mãe. A lenda do coronel Ellis – que Nina Rodrigues considerava “relativamente recente”, por não ser corrente entre os negros da Bahia nem de outros pontos do Brasil – a apresenta como mulher de Aganju, seu irmão, e mãe de Ôrungá, que a violenta, nascendo daí muitos dos orixás, como Xangô, Oxún, Oxóce, Ogún, etc., presentes nas religiões dos negro brasileiro. Ellis decompõe o nome da deusa em yeye, mãe, e ejá, peixe, ou seja: “mãe de peixe”. Ruth Landes lhe dá a posição da “esposa mais jovem e mais amada” de Oxalá – mais jovem em comparação com Nana, já senil. E Nina Rodrigues, estudando uma peça de escultura africana da Bahia – um trono ou banco para o sacerdote possuído por Yemanjá – observou: “No largo movimento das mãos abertas a fim de conter e levantar os volumosos e túrgidos seios da orixá que, para oferecê-los, está de joelhos, o artista expressou com felicidade a concepção da uberdade, de fundo chtoniano ou material, que se atribui a Yemanjá…”

Em que se parece essa Yemanjá com a figura fascinante, voluptosa, encantadora, que ligamos à sereia do folclore europeu?

Se a sereia mora no fundo do mar, Yemanjá habita rios, fontes e lagos. Esta é mãe e esposa, e na lenda do coronel Ellis dá nascimento a muitos filhos, que são os orixás mais conhecidos, em contraposição com a eterna juventude e disponibilidade da sereia, mais fácil de imaginar como uma estranha amante submarina do que como esposa. Maternal, Yemanjá simboliza a fecundidade, a reprodução da espécie, a natureza em todo o seu esplendor, enquanto a sereia é a mulher fatal, que com o seu amor traz a morte. E, para completar o quadro das diferenças, Yemanjá vem ao encontro dos homens, nos candomblés, ao passo que a sereia tem de ser requestada, e solicitada com presentes, nos seus vastos domínios marítimos.

O rabo de peixe, os olhos verdes, os cabelos compridos, as canções irresistíveis de amor, toda a concepção européia da sereia, estão em desacordo com Yemanjá. Sob este nome, nas festas públicas, não se cultua uma deusa africana, da nação nagô. Cultua-se uma divindade brasileira das águas, fruto do sincretismo das concepções nagô, ameríndia e européia dos deuses aquáticos. E, na verdade, a influência maior é a da Loreley dos brancos, que nada mais perdeu do que o nome (1950).
Artigo – Iemanjá, o desenho da discórdia
31.1.11  ArtigosHistória do Rio Vermelho

Postado por Cristiano Teixeira 
no Blog Cartas do Meu Moinho 
Texto publicado no Jornal A Tarde


A Festa da Mãe d‘Água, este ano, foi dividida por culpa de um desenho de Iemanjá. Os ânimos se exaltaram, artistas opinaram, os promotores ficaram irredutíveis. O resultado foi lamentável: ninguém usará a tradicional camisa de Iemanjá em 97, como se faz todos os anos. Tudo começou quando Getúlio, dono da Ex-Tudo, procurou o famoso artista Floriano Teixeira e encomendou, em nome dos promotores da festa, um desenho de Iemanjá para ser reproduzido nas camisas vendidas e que sempre dão um bom lucro. Queria um artista famoso e ninguém melhor que Floriano que, além de tudo, é morador do Rio Vermelho.


Floriano aceitou a incumbência e fez uma Iemanjá que todos consideraram linda, sorridente, lábios muito vermelhos, escamas douradas, a imagem da alegria com sua festa. As camisas ficariam deslumbrantes e poderiam ser vendidas por preços maiores, graças a assinatura do artista de renome nacional. Vários artistas, como Calasans Neto, Carlos Bastos, James Amado, Tati Moreno, o próprio Getúlio, além de muitos outros, ficaram entusiasmados e aprovaram sem a menor restrição. Entretanto os pescadores do Rio Vermelho foram ver e vetaram a figura. Mostraram-se escandalizados, revoltados, Floriano tinha tido a audácia de pintar uma Iemanjá negra, embora muito bonita.


Mas tinha cabelos “rastafari”, iguais aos de Carlinhos Brown, nariz achatado lembrando o de Margareth Menezes. Aquilo era um desaforo, Iemanjá tem cabelos louros, longos, olhos azuis, pele alva de sueca. Vetaram o desenho e proibiram sua reprodução nas camisas. Getúlio, que havia dado a encomenda, ficou sem saber o que fazer, os pescadores afirmaram que não permitiram que ninguém usasse aquilo, uma afronta a Iemanjá, que é branca. Calasans Neto chegou a sugerir que ouvissem a própria Iemanjá, estava certo que ela aprovaria o belo desenho de Floriano (foto), mas os promotores nem permitiram que se falasse mais no assunto, Iemanjá só branca, loura, olhos azuis.


Um grupo de turistas quis comprar o desenho e fazer camisas para seu grupo, mas os promotores da festa não permitiram.Floriano Teixeira ainda tentou explicar aos promotores que a imagem da metade mulher metade peixe, de cabelos louros e longos, pele branca, é a da sereia nórdica, das lendas suecas. A nossa Iemanjá é uma entidade brasileira, morena, podendo ser negra, como nosso povo.


Os pescadores não concordaram. Afirmaram que só aceitariam a Mãe d‘Água branca e loura. Não houve solução.Se os presentes deste ano forem recusados, todos sabem o motivo: Iemanjá queria o desenho lindo e verdadeiro de Floriano.
Monumento de Iemanjá completou 50 anos
2.2.19  Festa de IemanjáHistória do Rio VermelhoHomenagensMoradores
Um dos monumentos mais fotografados do bairro, a estátua de Iemanjá que fica em frente à Colônia de Pesca Z1, no Rio Vermelho, completou 50 anos nesse dois de fevereiro. A obra é do artista plástico Manoel Bonfim, já falecido, antigo morador do bairro. Uma pena que ninguém lembrou disso! A festa do dia 2 de fevereiro já foi assim
27.1.11  Festa de IemanjáHistória do Rio VermelhoMoradores

Poucos barcos e um público reduzido na Praia de Sant”Anna 

As vésperas festa de Iemanjá no Rio Vermelho completar 80 anos, o Blog, com a ajuda de Jorginho Ramos , mergulha no túnel do tempo e resgata duas fotos que se presume das décadas de 50 e 60 que mostram a evolução da festa.. Na primeira, poucas pessoas na praia da Sant”Anna e a rua praticamente vazia, a segunda um público maior que se movimenta na calçada da orla e em toda a extensão nas proximidades da antiga Igrejinha, onde hoje está a praça. Da para perceber que ainda não havia a construção da Igreja atual ao lado da Colônia dos Pescadores.Na época, a festa se chamava “Presenta da Mâe D`Água” e ao contrário do que se pensa, não era o maior evento do bairro.Quem despertava a atenção de centenas de pessoas, inclusive vindas de outros bairros, era o Bando Anunciador dos Festejos do Rio Vermelho, na verdade uma prévia do Carnaval, com carros alegoricos, mascarados, confetes, serepentinas e lança-perfume. Ainda consigo lembrar de alguns desses desfiles que com o passar dos anos entaram em decadência, era uma festa muito bonita, pena que acabou. Mas a de Iemanjá está ai, firme e forte.

 
Na rua dá para perceber os trilhos do bonde 

A história da Rainha do Mar
22.12.11  História do Rio VermelhoHomenagens
Trecho extraído da Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da UFC, BECOS, LADEIRAS E ENCRUZILHADAS: Andanças do povo-de-santo pela cidade de Salvador. De IRIS VERENA SANTOS DE OLIVEIRA

“Resta ainda compreender a relação que o povo-de-santo estabelecia com o orixá, Iemanjá consagrado às águas salgadas. Atualmente, os festejos atribuídos a esta entidade se concentram no bairro do Rio Vermelho, no dia 02 de fevereiro, sendo uma das festas que compõe o calendário turístico do Estado. A notícia mais antiga que tive acesso em relação aos festejos dedicados à rainha das águas foi à descrição de Manuel Querino, no século XIX, momento em que os organizadores da festa ainda eram escravos africanos e ela ocorria em outro espaço.

Entre estas, sobressaía a festa da mãe dágua (sereia) e a tradição guardou, como a de maior nomeada, a que se realizou, por muitos anos atrás, e em frente ao antigo forte de S. Bartolomeu, em Itapagipe, hoje demolido, e na 3ª dominga de dezembro, à qual compareceriam para mais de 2.000 africanos. A ela se achavam presentes todos os pais de terreiro da cidade, sob a direção do tio Ataré, que residia à rua do Bispo, no citado bairro. Os pais de terreiro trajavam roupas de brim de linho branco, e chapeu de Chile, ostentavam relógio, chapéu de sol de sêda, e comprido correntão de ouro (…) Durava a festa quinze dias, nas quais abundavam os batuques (candomblés), o efó, o abará, o carneiro, o bode, etc., com o azeite de dendê. Em certo dia, Ataré anunciava à multidão que se iam realizar as homenagens à mãe dágua, e a grande talha ou pote de barro cozido se enchia logo de presentes, como fôssem: pentes, frascos de pomada, frascos de cheiro, côvados de fazendas e era atirada ao mar, na meia travessa, ponto muito conhecido dos marinheiros, principalmente quando reina vento forte. Estava, pois, concluída a festa da mãe dágua e os festeiros se recolhiam às casas do senhorio.58 (sic) – 58 QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora. Bahia: Livraria Progresso Editora, 1946. Coleção Estudos Brasileiros, Série 1ª. Vol. 3, p. 116-7.
Por volta de 1930, o “presente” entregue à Iemanjá apresentava diferenças significativas em relação àquela festa descrita por Querino. Os festejos ocorriam em diversos pontos da cidade, mas destacavam-se as celebrações realizadas no Rio Vermelho, região que, como foi dito anteriormente, concentrava um grande número de terreiros de candomblé. Tratava-se de um evento de grande popularidade em Salvador, um dos que ofereciam grande visibilidade às práticas religiosas afro-brasileiras. O jornal A Tarde de 03 de fevereiro de 1939, publicou detalhes curiosos que ocorreram em meio à festa:

Na praia de Sant’Anna, banhistas e saveiros enfeitados. Em terra, o povo. Moças de lenço a cabeça e sapatos de enorme sola de cortiça; moreninhas de olhos pretos como jaboticabas maduras e senhores austeros, tudo se misturando e se confundindo, tudo a queimar-se sob o horrível ardor de um sol inclemente. (…) – Vae sahir o presente! Enchese a praia. Os barcos estão em fila. No primeiro, grandes cestos carregados. Peças de panno, perfumes, objetctos de toilette, bugigangas, potes, etc. Nos outros barcos, devotos de Janaina. Há uma mulata gorda que quer ir. Os saveiros estão cheios. – Eu vou nesse… – Nesse não tem mais logar. Há alguém que aconselha: – Vá a nado, minha tia. Oie, meu fio, isso é um sacrifício que eu faço pra minha mãe Yemanjá. Partem os saveiros. Vão lá para longe. Para o meio do mar. Vão cumprir um rito, uma promessa de fé.59(sic) – 59 “Uma Festa da ‘Mãe D’Agua’. Entre saveiros embandeirados e apinhados de gente os pescadores do Rio Vermelho presentearam, hontem, sua Janaina.” (03/02/1939) Jornal A Tarde.

Na matéria acima é clara a tentativa de folclorização das práticas religiosas afro-brasileiras, a conotação da reportagem já demonstrava uma leitura exótica das atividades. A narrativa do repórter é quase um convite para que as pessoas fossem assistir ao “espetáculo” da entrega dos presentes à Iemanjá. Além disso, sua descrição demonstra que pessoas de segmentos sociais diversos eram atraídas pela cerimônia.

O festejo para Iemanjá descrito pela reportagem supracitada ocorreu no Rio Vermelho, região retratada no postal abaixo. O grande número de pessoas vestidas de branco, com roupas típicas do candomblé; como indicam as batas e a forma de amarrar o torço à cabeça, e principalmente, os presentes que levam em direção aos barcos, fazem crer que a fotografia foi feita no dia dedicado à Mãe d’água, provavelmente no início da década de 1920, como constava no verso do cartão, além disso a paisagem do Rio Vermelho era equivalente a outros postais datados dos anos 20.

A festa realizada para a “rainha do mar” adquiriu grande popularidade em Salvador, o que talvez possa ser explicado pela confluência de leituras míticas das três matrizes que compunham a população soteropolitana. Na tradição européia, Homero registrou a luta de Ulysses, para se livrar da atração que Yara exercia sobre ele; foi obrigado a se amarrar na embarcação. A mitologia indígena tem Janaína que com o seu canto conduzia os homens às profundezas das águas. Mitos que se conciliam com a Iemanjá iorubana, numa combinação que permite ajustes curiosos como os que foram por mim observados em pejis de candomblés baianos, nos quais a deusa africana pintada nos quadros tinha longos cabelos loiros e olhos azuis.

Durante a sua estadia em Salvador a pesquisadora Ruth Landes acompanhou a entrega do presente da Mãe D’Água, da roça de Mãe Sabina. Não se tratava dos festejos realizados no dia 02 de Fevereiro, uma vez que antes disso ela já havia sido expulsa da Bahia. Os adeptos do candomblé seguiram andando em procissão para cumprir o ritual, que saiu das Quintas da Barra onde estava localizado o terreiro (trata-se do mesmo local onde funciona atualmente o Shopping Barra) e seguiram a pé até os saveiros, localizados na Barra, que lhes conduziram à península de Itapagipe, entregando o presente em Mont-Serrat. No percurso:

Várias sacerdotisas levavam o navio de brinquedo e os presentes que deviam ser jogados à água para a deusa, outras carregavam cântaros, graciosos como ânforas gregas, cheios de água sagrada que devia ser derramada sobre deusa no auge do sacrifício. Cantavam-se hinos acariciantes para a linda e rica Oxum, para a mais velha e voluptuosa Iemanjá, e confundiam-nas ambas, com Janaína(…) [Já no saveiro] Começou um novo cântico para a grande deidade das doenças, chamada Omolu, conhecida no mundo católico como São Lázaro e São Roque. Mulheres caíam em transe, de novo. Os cânticos e os transes se sucediam e era evidente o contentamento de todos. Sabina mandou que servissem comida – acaçá, laranjas, balas, pão-de-ló. Os atabaques roncavam o tempo todo… 61 – 61 LANDES, Ruth. Op. Cit., p. 221-2.”

Revista O Cruzeiro registrou festa de Iemanjá em 1944
1.2.18  Festa de IemanjáHistória do Rio Vermelho
Por Jorginho Ramos


No ano de 1944 a festa para Yemanjá, no Rio Vermelho, foi tema de uma ampla reportagem da então prestigiadíssima revista “O CRUZEIRO”, na época o mais poderoso dos veículos de comunicação do país (o único que alcançava todo o território nacional!). O autor da reportagem foi o jornalista Odorico Tavares, que levou pessoalmente o sociólogo francês Roger Bastide ao Rio Vermelho. Nessa foto o cientista social aparece junto à Casa do Peso (Odorico, também de paletó, está atrás). Bastide – que atento observa os detalhes da manifestação festivo-religiosa – chegara ao Brasil seis anos antes, integrando uma missão de professores europeus que veio ensinar na recém-implantada Universidade de São Paulo. Aqui estudou e pesquisou sobre o Brasil e sua cultura, principalmente as religiões de matriz africana, tendo escrito vários livros sobre a Brasil, sendo um deles “Candomblé da Bahia”, hoje um clássico. Roger Bastide morou uma temporada aqui e chegou a ser iniciado em um dos candomblés. Ele esteve também no Recôncavo e (obviamente !) apaixonou-se por Cachoeira e sua feira livre, que lembrou-lhe a África.

Em tempo: embora a Festa de Yemanjá seja sempre em 2 de Fevereiro, a reportagem só foi publicada numa das edições do mês de julho. E essas fotos são apenas a abertura da reportagem, contida em quatro páginas.


A Biblioteca Nacional Digital disponibiliza uma grande parte de seu acervo online e gratuitamente. O Blog do Rio Vermelho localizou a matéria citada por Jorginho Ramos em seu Facebook. 
Acesse a primeira página da matéria.
Leia também:
Festa de Iemanjá, um pouco da história
Histórias do Carnaval no Rio Vermelho


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